Em algumas situações pessoas exercem a função na fiscalização de trânsito sem possuir competência legal para tanto, a exemplo daqueles que não foram aprovados em concurso público para o cargo de Agente da Autoridade de Trânsito ou são servidores de outras áreas deslocados para essa função, em um claro descompasso com o art. 144, § 10, da Constituição Federal.
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O papel do agente de trânsito
Apesar de sofrerem algumas críticas, sobretudo por parte de condutores infratores inconformados com uma autuação sofrida, os Agentes da Autoridade de Trânsito desempenham um importante papel na garantia da segurança viária, visando sempre o fiel cumprimento da lei e autuando aqueles que a descumprirem.
O Código de Trânsito Brasileiro traz a seguinte definição em seu art. 280, § 4º:
O agente da autoridade de trânsito competente para lavrar o auto de infração poderá ser servidor civil, estatutário ou celetista ou, ainda, policial militar designado pela autoridade de trânsito com jurisdição sobre a via no âmbito de sua competência.
Convém mencionar o equívoco na expressão “jurisdição” que é típica do Poder Judiciário, em se tratando de órgãos da Administração Pública o correto é “circunscrição”.
O Volume I do Manual Brasileiro de Fiscalização de Trânsito, regulamentado pela Resolução nº 371/2010 do Conselho Nacional de Trânsito – CONTRAN estabelece que para exercer suas atribuições como Agente da Autoridade de Trânsito, o servidor ou policial militar DEVERÁ SER CREDENCIADO, estar devidamente uniformizado, conforme padrão da instituição, e no regular exercício de suas funções.
A lavratura de AIT requer a constatação por agente credenciado
O Agente ao presenciar o cometimento da infração, lavrará o respectivo auto e aplicará as medidas administrativas cabíveis, sendo vedada a lavratura do AIT por solicitação de terceiros, excetuando-se o caso em que o órgão ou entidade de trânsito realize operação (comando) de fiscalização de normas de circulação e conduta, em que um agente de trânsito constate a infração e informe ao agente que esteja na abordagem; neste caso, o agente que constatou a infração deverá convalidar a autuação no próprio auto de infração ou na planilha da operação (comando), a qual deverá ser arquivada para controle e consulta, conforme previsão da Resolução nº 497/2014 do CONTRAN.
Autuar o infrator não é uma opção ao agente
A lavratura do AIT é um ato vinculado na forma da lei, não havendo discricionariedade com relação a sua lavratura, assim como determina o art. 280 do CTB.
Apesar de algumas pessoas defenderem a ideia de que o Agente deveria ter o “bom senso” de não autuar em determinadas situações, é importante frisar que se ele deixar de autuar, a depender das circunstâncias, pode configurar o crime de prevaricação, previsto no art. 319 do Código Penal.
O Agente de Trânsito deve priorizar suas ações no sentido de coibir a prática das infrações de trânsito, porém, uma vez constatada a infração, só existe o dever legal da autuação, devendo tratar a todos com URBANIDADE e RESPEITO, sem, contudo, omitir-se das providências que a lei lhe determina.
O ato administrativo perfeito
Acerca da atuação do Agente da Autoridade de Trânsito, quando este lavra um auto de infração, está produzindo um ato administrativo, que nos ensinamentos de Hely Lopes Meirelles (Direito Administrativo Brasileiro, 2010, p. 153):
“[…] é toda manifestação unilateral de vontade da Administração Pública que, agindo nessa qualidade, tenha por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar, extinguir e declarar direitos, ou impor obrigações aos administrados ou a si própria”.
O agente público deve sempre direcionar suas ações com o objetivo de produzir o ato administrativo perfeito, sob pena de existir algum vício ou nulidade.
O ato administrativo possui alguns REQUISITOS, o primeiro e mais importante deles é a COMPETÊNCIA. Os professores Ordeli Savedra e Josimar Amaral (Processo Administrativo de Trânsito, 2018, p. 22) o definem da seguinte forma:
“O sujeito, agente público, deve ter seu poder para agir em nome da administração, conferido por lei e na exata medida da necessidade para atingir os fins que o ordenamento lhe impõe, voltado à satisfação do interesse público. Seja qual for a natureza do ato administrativo, este requisito será sempre vinculado”.
Acerca do tema, esclarece o mestre Julyver Modesto (Lições de Direito Administrativo para Profissionais de Trânsito, 2018, p. 214-215):
“[…] quanto aos agentes públicos, podemos exemplificar aqui a situação de pessoas que exerçam a função de agentes de trânsito, sem que tenham prestado concurso público para ocuparem tal cargo ou emprego público (e que não sejam integrantes das Instituições que a lei permite firmar convênio com os órgãos executivos de trânsito e rodoviários – Polícias Militares e Guardas Municipais): um auto de infração lavrado por pessoa que não tem a COMPETÊNCIA LEGAL, obviamente, é nulo desde a origem, por não cumprir um dos requisitos obrigatórios para a sua validade”.
Municípios não vinculados ao SNT
Também há casos de cidades NÃO INTEGRADAS ao Sistema Nacional de Trânsito, ou seja, que não possuem seu trânsito municipalizado com Agentes de Trânsito próprios que possam exercer a função de fiscalização e, consequentemente, firmar convênio em consonância com o disposto no art. 25 do CTB, delegando aos Agentes de Trânsito de órgãos estaduais, a exemplo do DETRAN, a possibilidade de autuar as infrações de competência do município (vide art. 22, V e VI, do CTB; art. 24, VI, VII, e VIII, do CTB; e Resolução nº 66/1998 do CONTRAN).
Ora, se não há órgão municipal de trânsito é impossível que o órgão do Estado venha firmar convênio com o Município se este não se integrou ao SNT e formalmente NÃO EXISTE, sendo nula qualquer autuação do Agente de Trânsito do Estado nessas circunstâncias, tendo em vista não possuir competência legal para autuar infrações de competência do município.
Em nossa mais recente publicação (Livro – Curso de Legislação de Trânsito, 2019, p. 159), aduzimos da seguinte forma sobre a possibilidade de avocação de competência pelo estado nessas situações:
“Esse entendimento é ilógico, tendo em vista que o Estado assume uma atribuição que não é sua, pois competência não se avoca, é delegada através de lei”.
Agente de trânsito sem os requisitos obrigatórios
Outro aspecto importante a se considerar sobre competência do Agente de Trânsito é o CURSO DE FORMAÇÃO. A Portaria nº 94/2017 do Departamento Nacional de Trânsito – DENATRAN instituiu o curso para profissionais que executem as atividades de fiscalização, operação, policiamento ostensivo de trânsito ou patrulhamento nos órgãos integrantes do Sistema Nacional de Trânsito, com carga horária total de 200 horas.
No entanto, a norma estabelece que fiquem reconhecidos outros cursos de formação de agente de trânsito concluídos até 180 dias após o DENATRAN dar publicidade aos critérios e procedimentos para autorização e credenciamento das instituições para ministrar esses cursos.
Até o presente momento, o DENATRAN não publicou nenhum regramento nesse sentido. Portanto, se o Agente realizar algum curso de formação mesmo sem atender a carga horária e o conteúdo programático estabelecidos na Portaria, a própria norma RECONHECE a existência do curso.
Porém, o profissional que exerce a atividade de Agente da Autoridade de Trânsito deverá realizar curso de atualização a cada 3 anos, contados a partir da data de entrada em vigor da Portaria.
Sendo assim, considerando que a norma passou a vigorar 180 dias depois da sua publicação, que ocorreu em 2 de junho de 2017, temos duas situações que podem macular o ato administrativo.
O primeiro deles é o fato do Agente ter assumido seu cargo depois da vigência da Portaria e não possuir curso algum.
O segundo caso é o Agente que, mesmo possuindo curso de formação diverso daquilo que estabelece a Portaria nº 94/2017 do DENATRAN, decorridos três anos da sua entrada em vigor, o que vai ocorrer em dezembro de 2020, esse profissional estará com seu curso vencido, devendo realizar curso de atualização de 32h, do contrário, passará a ser questionável sua competência legal para exercer a função.
Ao observarmos a Lei nº 8.666/93, que institui normas para licitações e contratos da Administração Pública, em seu art. 55, XIII, temos a seguinte determinação:
“a obrigação do contratado de manter, durante toda a execução do contrato, em compatibilidade com as obrigações por ele assumidas, todas as condições de habilitação e qualificação exigidas na licitação”.
Se um particular contratado para desempenhar um serviço público ou uma atividade no interesse da Administração deve, durante toda execução do serviço, manter os requisitos da habilitação (jurídica, econômico-financeiro etc.), sob pena de ter seu contrato rescindido, mutatis mutandis, como pode a Administração não estabelecer o mesmo critério para desempenhar um serviço público?
Conclusão
Em síntese, para o exercício de suas atribuições nos limites estabelecidos pela lei é preciso que o Agente da Autoridade de Trânsito atenda algumas exigências, pois sua inobservância pode gerar questionamentos ou mesmo configurar uma NULIDADE absoluta quanto à competência, que é um dos requisitos do ato administrativo. Afinal de contas, todos estão sujeitos ao cumprimento da lei.
Caruaru-PE / Rio de Janeiro-RJ, 14 de abril de 2020.
Coautor: LEANDRO MACEDO – Policial Rodoviário Federal no Rio de Janeiro. Atuou no TCM-RJ na função de Auditor Público como técnico de controle externo (2012). Coordenador do site Concursos com Trânsito e idealizador da empresa LM Cursos de Trânsito (www.lmcursosdetransito.com.br). Coautor do livro “Curso de Legislação de Trânsito”.
Segundo o art. 144, § 10, da Constituição Federal.A função de agente só pode ser exercida por servidores que prestaram concurso para tal atividade?
Exemplo: se em determinada prefeirura o executivo “ceder” alguns servidores “fiscais” de outros setores para fiscalizar o trânsito é possível? É legal?
Desde já muito obrigado!
Exatamente. Fiscalizar trânsito, somente por servidores CONCURSADOS.