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Aplicação de multa de trânsito por indicação de testemunha

Um cidadão, ao presenciar uma suposta prática de exibição de manobra perigosa por dois motociclistas, acionou a Polícia Militar que, chegando ao local, mesmo sem a constatação dos fatos, procedeu com a lavratura dos respectivos autos de infração de trânsito. Estaria a conduta da PM correta, nessas circunstâncias?

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O objetivo deste texto NÃO É dar guarida à prática de condutas infracionais no trânsito, muito menos aquelas que envolvem grande risco à segurança do trânsito, mas de mostrar que a inobservância de requisitos legais, na execução dos atos públicos, pode, em algumas circunstâncias, penalizar injustamente um inocente.

Dos fatos

Um dos envolvidos, durante a condução de sua motocicleta, e à companhia de outro veículo/condutor, foi abordado e autuado pela Polícia Militar, após DENÚNCIA realizada por moradores que alegaram estarem ambos realizando manobras perigosas na via pública.

No entanto, o Agente Fiscalizador deixou de observar requisito formal previsto expressamente na legislação de trânsito para lavratura do Auto de Infração de Trânsito, que será exposto a seguir.

Das alegações e fundamentos formais

O envolvido foi autuado com base no art. 175 do CTB por “Utilizar-se de veículo para demonstrar ou exibir manobra perigosa, mediante arrancada brusca, derrapagem ou frenagem com deslizamento ou arrastamento de pneus”.

Entretanto, a constatação da suposta infração se deu por meio de INFORMAÇÕES prestadas por TESTEMUNHAS, modo diverso ao que determina a legislação de trânsito onde a constatação da infração DEVE, impreterivelmente, acontecer sob a observação do próprio agente da autoridade de trânsito.

A impossibilidade da lavratura de AIT por solicitação de terceiros, encontra guarida na Resolução nº 497/2014 do Conselho Nacional de Trânsito – CONTRAN, que alterou a Resolução nº 371/2010 que aprovou o Volume I do Manual Brasileiro de Fiscalização de Trânsito, o qual deve ser fielmente seguido pelos agentes de fiscalização. De acordo com a referida norma:

O agente de trânsito, ao constatar o cometimento da infração, lavrará o respectivo auto e aplicará as medidas administrativas cabíveis. É vedada a lavratura do AIT por solicitação de terceiros, excetuando-se o caso em que o órgão ou entidade de trânsito realize operação (comando) de fiscalização de normas de circulação e conduta, em que um agente de trânsito constate a infração e informe ao agente que esteja na abordagem; neste caso, o agente que constatou a infração deverá convalidar a autuação no próprio auto de infração ou na planilha da operação (comando), a qual deverá ser arquivada para controle e consulta.

Nesse sentido, os professores Leandro Macedo e Gleydson Mendes (Curso de Legislação de Trânsito, 2020, p. 807) explicam:

Com exceção da situação indicada acima, não é possível que outra pessoa constate o cometimento da irregularidade e repasse a informação ao agente da autoridade de trânsito, como por exemplo, um servidor do órgão de trânsito, um vendedor de bilhete de zona azul, outro policial que tenha visto o ocorrido, dentre outras hipóteses não abarcadas pela lei.

Também não é possível que provas apresentadas por particulares sejam utilizadas como forma de constatação, como nos casos de fotografia de veículo estacionado na porta de garagem, filmagem de motociclista realizando manobra perigosa etc.

O Agente NÃO PODE lavrar um Auto de Infração em situação diversa daquela que ocorreu na prática ou como a lei determina, pois implicaria em uma sanção injusta em decorrência de um fato inexistente e/ou questionável juridicamente.

Convém ressaltar que não se pode punir nenhum cidadão sem que haja a mais absoluta convicção de que o ato administrativo foi produzido em conformidade com os ditames legais, o que NÃO ESTÁ configurado nesse caso, visto que o AIT foi lavrado de forma irregular, pois é evidente o vício formal.

Os órgãos de trânsito visando a garantia dos direitos do cidadão devem cumprir a Lei antes mesmo de fazer cumpri-la. A Lei nº 9.784/99 que regula os processos administrativos no âmbito da Administração Pública Federal, o qual se aplica de forma subsidiária aos processos administrativos de trânsito, traz a seguinte determinação que deixou de ser observada no caso em tela:

Art. 2º A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.

Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de:

I – atuação conforme a lei e o Direito;

O Auto de Infração de Trânsito deve preencher os requisitos anotados no art. 280 do CTB e nas normas complementares, sob pena de nulidade por vício formal, como evidenciado acima.

Dessa forma, demonstrado o equívoco cometido pelo Agente Fiscalizador (PMMG) na constatação da suposta infração de trânsito, está configurada sua IRREGULARIDADE, não restando à Autoridade de Trânsito outra alternativa, diante da análise de consistência e regularidade do ato administrativo, senão o ARQUIVAMENTO do respectivo AIT conforme prevê o Código de Trânsito Brasileiro:

CTB, art. 281. A autoridade de trânsito, na esfera da competência estabelecida neste Código e dentro de sua circunscrição, julgará a consistência do auto de infração e aplicará a penalidade cabível.

         Parágrafo único. O auto de infração será arquivado e seu registro julgado insubsistente:

I – se considerado inconsistente ou irregular;

 

Não obstante o alegado anteriormente, o erro de procedimento no auto de infração o torna nulo por inobservância quanto à forma do ato administrativo. Acerca do tema, aduz o ilustre Celso Antônio Bandeira de Mello (Curso de Direito Administrativo, 2010, p. 387):

O ato administrativo é válido quando foi expedido em absoluta conformidade com as exigências do sistema normativo. Vale dizer, quando se encontra adequado aos requisitos estabelecidos pela ordem jurídica. Validade, por isto, é a adequação do ato às exigências normativas.

O entendimento aqui exarado não é exclusivo da doutrina, o Conselho Estadual de Trânsito de Santa Catarina – CETRAN/SC através do Parecer nº 71/2008 alcançou a seguinte conclusão:

O efeito jurídico de um Auto de Infração de Trânsito considerado inconsistente ou irregular é a ilegalidade da prova administrativa contra o infrator, gerando a nulidade do processo punitivo, que poderá, a qualquer tempo, ser revisto pela administração, mesmo após o trânsito em julgado da decisão.

(…)

Ora, constituindo-se o AIT, ato administrativo instaurador do processo administrativo punitivo, figurando a prova da ocorrência do ato ilícito praticado, por óbvio que a validade do processo encontra-se intimamente arraigada na consistência (materialidade) e regularidade (formalidade) deste instrumento.

Tanto o é que a própria legislação de trânsito estabelece em seu artigo 281 que, para que possa a autoridade de trânsito aplicar as penalidades cabíveis ao infrator, deve primordialmente julgar a CONSISTÊNCIA e REGULARIDADE do documento (auto de infração), arquivando-o quando inobservado em sua elaboração, um destes dois requisitos (consistência ou regularidade).

Estando evidenciada a falha no preenchimento do AIT por parte do Agente, a Lei nº 9.784/99 determina o seguinte:

Art. 53. A Administração deve anular seus próprios atos, quando eivados de vício de legalidade, e pode revogá-los por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos.

Destarte, restando claro que o ato administrativo praticado pelo Agente de Trânsito não foi produzido em conformidade com o que estabelece a legislação de trânsito, deve a Administração Pública, em reconhecimento do erro, promover o ARQUIVAMENTO do respectivo AIT, assim como se observa na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal – STF:

Súmula 346: A administração pública pode declarar a nulidade dos seus próprios atos.

Súmula 473: A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.

Conclusão

Não é legalmente correto, o auto de infração lavrado mediante declaração de testemunhas. Portanto, a conduta adotada pela PM, diante do episódio acima relatado não foi correta e, portanto, o AIT deve ser ARQUIVADO pela autoridade de trânsito.

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Este texto foi elaborado com base em peça de DEFESA elaborada por Gleydson Mendes, co-autor do livro CURSO DE LEGISLAÇÃO DE TRÂNSITO, – “Sem dúvida uma das melhores obras do trânsito brasileiro” (Ronaldo Cardoso).

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