A nossa Constituição Federal de 1988 é clara, objetiva e específica, em seu artigo 22 XI, quando diz que legislar sobre TRÂNSITO é competência privativa da UNIÃO. Entretanto, o judiciário brasileiro tem proferido decisões com entendimentos diferentes disso. Portanto, esteja preparado para se surpreender com o que verá nas próximas linhas deste texto.
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Em 2012, um cidadão, residente na Cidade de Petrópolis/RJ, insatisfeito com as inúmeras vagas de estacionamento reservadas a Juízes, Promotores, Advogados, comerciantes e, pasmem, até autoescolas, impetrou ação popular em face da Companhia Petropolitana de Trânsito e Transportes – CPTRANS – solicitando que a destinação de vagas estivesse em conformidade com a Lei 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro) e respectivas normatizações do Contran – em especial a Resolução 302/08 – iniciativa certamente adotada em razão da NÃO previsibilidade das mencionadas reservas de vagas pela supracitada legislação.
Clique aqui para ver o que a legislação de trânsito estabelece sobre a criação e reserva de vagas de estacionamento.
O caso foi julgado na justiça de 1ª instância da vara cível da comarca de Petrópolis/RJ, pelo Exmo. Juiz de Direito Octavio Chagas de Araújo Teixeira o qual decidiu em DESFAVOR do autor – entendendo, este magistrado, não haver qualquer incompatibilidade com a lei no que tange às vagas de estacionamento reservadas pela CPTRANS ao judiciário, promotoria e outros, uma vez que o ente federativo municipal, ao qual esta entidade está vinculada, está investido da competência para legislar sobre questões de interesse local, conforme preceitua o artigo 30, inciso I, da nossa carta magna.
Na decisão o magistrado ainda atribuiu, ao autor da ação, as custas judiciais – considerando que este incidiu em “litigância de má fé”.
Inconformado com o julgado, e certamente estarrecido, recorreu ao tribunal onde a Exma Desembargadora Denise Levy Tredler (relatora), acompanhada com unanimidade pelos demais Desembargadores, acordaram o seguinte:
No caso do Município de Petrópolis, a primeira ré, Companhia Petropolitana de Trânsito e Transportes CPTRANS, atua como órgão executivo de trânsito e rodoviário, consoante os incisos XIX e XX do artigo 3º, da Lei Municipal nº 4.790, de 1990, e está integrada ao Sistema Nacional de Trânsito, consoante a Portaria nº 10, de 1999, do DENATRAN.
É incontroversa a destinação de vagas de estacionamento privativo a instituições e órgãos dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, bem como a entidades de classe (OAB) e a atividades comerciais (auto-escola, ônibus de turismo, veículos que realizam frete), nas vias públicas do Município de Petrópolis.
Assim, se o Município pode legislar sobre estacionamento por se inserir no interesse local, seu órgão executivo de trânsito, no exercício das funções previstas no artigo 24, do CTB, pode destinar vagas privativas para estacionamento nas vias públicas, a fim de atender ao interesse público local.
Dessa forma, o ente municipal e seu órgão executivo de trânsito NÃO estão restritos às áreas de estacionamento específicas previstas na Resolução nº 302, de 2008, do Conselho Nacional de Trânsito – CONTRAN. Portanto, poderá destinar outras áreas além das previstas, de acordo com o interesse local.
Conforme bem salientado na sentença, a destinação de vagas exclusivas é realizada para atender o interesse público, sobretudo possibilitar o pleno exercício de funções públicas e serviços considerados relevantes aos munícipes, considerado, ainda, a peculiaridade do Município de Petrópolis no que respeita à inexistência de espaço para criação de mais vagas de estacionamento.
Trata-se, pois, de matéria afeta ao mérito administrativo, cabendo à Municipalidade, consoante sua conveniência e oportunidade, avaliar a destinação das vagas, inclusive para o fim de estacionamento rotativo, que gera receita. Consigne-se, neste tocante, que muitas das vagas destinadas a instituições e órgãos públicos são revertidas aos estacionamentos rotativo em finais de semana e feriados.
Dessa forma, correta a bem lançada sentença do Exmo. Juiz de Direito Octavio Chagas de Araújo Teixeira, ao julgar improcedente o pedido inicial.
Por essas razões, voto no sentido de negar-se provimento ao recurso.
Rio de Janeiro, 17 de setembro de 2016.
Conforme apresentado, os Exmos Desembargadores mantiveram a decisão proferida na 1ª instância e se apoiaram em jurisprudência (STF) na qual a Suprema Corte confirma a competência do município para legislar sobre trânsito quando a matéria tratar de questão de interesse local, como vagas de estacionamento, de modo a otimizar os serviços públicos ali prestados – veja aqui a íntegra do acórdão com a citação da jurisprudência.
CONCLUSÃO
Aos que estudam a temática trânsito, parece não haver dúvida quanto ao que preconiza a CF/88 no tocante à competência para legislar sobre esta matéria, conforme se segue:
Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
XI – trânsito e transporte;
Entretanto, o Juiz de 1ª instância, os Desembargadores do Tribunal e até os Ministros do STF entenderam competir ao município a capacidade para legislar sobre trânsito, em consonância com a CF/88 no seguinte dispositivo:
Art. 30. Compete aos Municípios:
I – legislar sobre assuntos de interesse local;
Ora, não estaria o nosso Judiciário, ao tratar do tema TRÂNSITO, desconsiderando um dispositivo específico, como é o art. 22 XI, com vistas a outro genérico (art. 30 I) – considerando que este último é amplo, não especificando a FINALIDADE da legislação nele citada?
O acórdão nos deixa claro que o município NÃO está restrito àquelas vagas de estacionamento previstas na Resolução 302/08 do Contran. Estaria, com isso, a referida resolução fadada ao descarte – uma vez que esta não tem mais nenhuma utilidade, senão definir com pormenores o estabelecimento de vagas de estacionamento?
Ao atribuir, ao autor da causa, o ônus das custas judiciais da ação impetrada, não estaria o Judiciário ferindo o princípio da IMPESSOALIDADE – se considerarmos que tal decisão apresenta fortes indícios de represália em razão desta ação confrontar diretamente o Judiciário, no que diz respeito às vagas de estacionamento destinadas a este órgão?
É por conta dessa e de outras tantas “pérolas”, que não raramente nos aparecem, que o poder público no Brasil se encontra a cada dia mais desacreditado. A insegurança jurídica que nos cerca é flagrante. Em meio a arbitrariedades de um poder público corporativista, que coloca os interesses institucionais acima do interesse público, conhecer a lei e cumprí-la não mais nos assegura que nossos direitos serão respeitados e qualquer um que resolva manifestar sua indignação contra o “sistema” está colocando o próprio pescoço à guilhotina.
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É o Brasil? Não é tudo pensado p justificar seus anseios. Por isso eu repito sempre Art. 89.
Concordo com vc meu caro Ronaldo . Os interesses locais do municipios são muito amplos e como deveria prevalecer o principio do direito administrativo no qual o agente publico só pode fazer o que é explicitamente permitido, creio que o art 22 tem prevalencia sobre o art 30 da CF.
Imagina se com base nesse julgado , os municipios começarem a pintar as faixas de pedestre de branco e vermelho ou em 3D ?
Caos total
Abc
Francisco Soares
Cons do CONTRAN
Análise certeira, amigo Francisco – principalmente vinda de um CONSELHEIRO DO CONTRAN. Obrigado pela sua colaboração com o nosso trabalho.
Absurdo esse nosso “judiciário”…
Isso é lamentável. Abre precedentes para que o município mude qualquer resolução alegando ser o melhor para o interesse público local. Rasguem a constituição.
Interesse público local?Então quer dizer agora que veículos oficiais , de aprendizagem e outros não previstos na resolução 302 , quanto ao fato de reservarem vagas para eles , isso é interesse público ? Então desse jeito tudo é interesse público
Ao que parece, tanto os legisladores (que redigem as leis), quantos os magistrados (que as interpretam), o fazem d maneira propositalmente subjetiva, deixando brechas, lacunas e dúbias interpretações, pra que, em tempo oportuno possam os juízes, promotores e ministros proferir suas sentenças a seu bel prazer.
Parafraseando o trecho da carta do apóstolo Paulo escrevendo aos romanos, no capítulo 8, verso 31: “Que diremos pois a estas coisas? Se até o Supremo Tribunal Federal é contra nós, quem será por nós?”
É deverás desanimador!
Excelente texto!
Obrigada,professor Ronaldo.