Cidadão sem possuir Habilitação, pode ser abordado e autuado por Policial Militar que não atua na fiscalização de trânsito?
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Conduzir veículo próprio, sem possuir Habilitação
Qualquer pessoa que pretenda conduzir um veículo automotor tem plena consciência de que precisa atender alguns requisitos legais e passar por um processo para se habilitar.
O Capítulo XIV do Código de Trânsito Brasileiro dispõe sobre as regras acerca da habilitação e a Resolução nº 789/2020 do Conselho Nacional de Trânsito regulamenta o tema.
A inobservância desses preceitos legais impossibilita a obtenção do documento e conduzir veículo nessas condições traz consequências administrativas e criminais.
Se uma determinada pessoa conduzir um veículo de sua propriedade mas SEM POSSUIR documento de habilitação, então existe o cometimento da infração:
CTB, art. 162. Dirigir veículo:
I – sem possuir Carteira Nacional de Habilitação, Permissão para Dirigir ou Autorização para Conduzir Ciclomotor:
Infração – GRAVÍSSIMA;
Penalidade – multa (três vezes);
Medida administrativa – retenção do veículo até a apresentação de condutor habilitado;
Não há registro de pontos porque o condutor não possui “prontuário”.
Conduzir veículo de terceiro, sem possuir habilitação
Na hipótese deste mesmo condutor estar na direção de um veículo de propriedade de outra pessoa, então deverão ser lavrados dois autos de infração. O primeiro no art. 162, I, citado anteriormente, e o segundo no art. 163 ou 164 do CTB.
Se o proprietário estiver PRESENTE no momento da abordagem realizada pelo agente da autoridade de trânsito, então se autua no art. 163 do CTB por ENTREGAR a direção do veículo a pessoa não habilitada.
CTB, art. 163. Entregar a direção do veículo a pessoa nas condições previstas no artigo anterior:
Não estando PRESENTE o proprietário, a autuação se dá no art. 164 por PERMITIR que o inabilitado tome posse do veículo automotor e passe a conduzi-lo na via.
CTB, art. 164. Permitir que pessoa nas condições referidas nos incisos do art. 162 tome posse do veículo automotor e passe a conduzi-lo na via:
O enquadramento em qualquer desses artigos é mera formalidade porque em ambos os casos a infração é de natureza GRAVÍSSIMA, 7 pontos no prontuário do proprietário, se ele for habilitado, e mais uma multa de R$ 880,41.
Responsabilização Criminal
Além da responsabilidade administrativa (infração de trânsito) existe repercussão na esfera criminal.
Aquele que confia, permite ou entrega a direção de veículo automotor a um condutor inabilitado e que, diferentemente da infração administrativa, não precisa necessariamente ser o proprietário do veículo, podendo ser o possuidor direto, está praticando o CRIME:
CTB, art. 310. Permitir, confiar ou entregar a direção de veículo automotor a pessoa não habilitada, com habilitação cassada ou com o direito de dirigir suspenso, ou, ainda, a quem, por seu estado de saúde, física ou mental, ou por embriaguez, não esteja em condições de conduzi-lo com segurança:
Penas – detenção, de seis meses a um ano, ou multa.
Esse crime de trânsito é de MERA CONDUTA, ou seja, não se exige um risco efetivo à segurança viária para que se configure. Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça já firmou entendimento através da Súmula nº 575:
“Constitui crime a conduta de permitir, confiar ou entregar a direção de veículo automotor a pessoa que não seja habilitada, ou que se encontre em qualquer das situações previstas no art. 310 do CTB, independentemente da ocorrência de lesão ou de perigo de dano concreto na condução do veículo”.
Portanto, basta que o veículo seja entregue a uma pessoa não habilitada e esta passe a conduzi-lo na via que o crime restará consumado, nos termos do inciso I do art. 14 do Código Penal.
Convém destacar que o elemento subjetivo da conduta precisa estar presente na ação, ou seja, o dolo.
Crimes de Trânsito
No caso de um eventual crime de trânsito praticado PELO condutor inabilitado na condução do veículo é preciso avaliar DOIS ASPECTOS IMPORTANTES para concluir pela existência ou não do ilícito penal.
O primeiro deles é se o fato ocorreu em via pública, pois este crime SÓ pode acontecer nesse espaço, sendo atípica a conduta praticada em local privado.
O segundo é a existência de PERIGO de dano na conduta, ou seja, uma anormalidade na direção que comprometa a segurança viária.
Se uma pessoa dirige veículo em via pública sem possuir documento de habilitação gerando perigo de dano, então HÁ O COMETIMENTO DO CRIME do art. 309 do CTB, com pena de detenção, de seis meses a um ano, ou multa (de natureza penal).
Por se tratar de crimes de menor potencial ofensivo, aplica-se as disposições da Lei nº 9.099/95 (Juizados Especiais Criminais) para os que estão incursos nas condutas tipificadas nos artigos 309 e 310 do Código de Trânsito Brasileiro que mencionamos anteriormente.
Menor de idade na direção de veículo
Se for um menor de idade na condução do veículo do pai, por exemplo, cabe as duas autuações pelas infrações de trânsito dos artigos 162, I e 163 ou 164, do CTB.
O crime do art. 310 foi praticado por aquele que permitiu, confiou ou lhe entregou a direção do veículo.
Por ser menor de idade, por este NÃO HÁ a prática de crime nesse caso, mas sim, de Ato Infracional, conforme art. 103 da Lei nº 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente), devendo ser aplicadas as sanções nela previstas.
Da competência do Agente Fiscalizador
Quanto à constatação desses CRIMES, em que pese o previsto no art. 301 do Código de Processo Penal, via de regra, tanto os agentes da autoridade de trânsito quanto policiais militares é que adotarão as medidas cabíveis e encaminharão os condutores que praticaram tais delitos para que sejam adotadas as devidas providências, a fim de que sejam RESPONSABILIZADOS CRIMINALMENTE, se assim for confirmado ao final do procedimento que será instaurado.
No que diz respeito às infrações administrativas, estas SÓ podem ser constatadas e consequentemente lavrados os respectivos autos de infração por agentes designados pela autoridade de trânsito, assim como determina o § 4º do art. 280 do CTB.
Inclusive, de acordo com o Manual Brasileiro de Fiscalização de Trânsito (Resolução nº 371/2010 e 561/2015) é VEDADA a lavratura do AIT por solicitação de terceiros, ressalvada a hipótese prevista na Resolução nº 497/2014 do CONTRAN, quando for realizada operação (comando) de fiscalização.
Portanto, se um policial militar, a título de exemplo, que NÃO esteja DESIGNADO pela autoridade de trânsito para realizar a fiscalização flagrar um condutor inabilitado, é possível realizar a abordagem, obviamente, e se tiver havido a prática de CRIME deve ser encaminhado para a delegacia, mas em relação à infração de trânsito NÃO É POSSÍVEL LAVRAR O AUTO DE INFRAÇÃO.
Por mais injusto que possa parecer, o fato é que o policial nesse caso não possui competência legal para autuar por essa infração administrativa, nem poderia chamar um agente de trânsito até o local porque ele só poderia autuar se tivesse visualizado a conduta, ou seja, constatado efetivamente o cometimento da infração.
Entretanto, mesmo não possuindo competência para lavrar o AIT, o policial pode reter o veículo até a apresentação de um condutor habilitado, considerando o que estabelece o art. 45 da Lei nº 9.784/99:
“Em caso de risco iminente, a Administração Pública poderá motivadamente adotar providências acauteladoras sem a prévia manifestação do interessado”.
Desobediência
Se for necessário adotar tal medida e não for cumprida pelo condutor, há de se considerar a prática do CRIME DE DESOBEDIÊNCIA, tipificado no art. 330 do Código Penal e que prevê pena de detenção, de quinze dias a seis meses, e multa.
Nesse sentido, esclarece Nélson Hungria (Comentários ao Código Penal, v. IX, p. 419):
“se, pela desobediência de tal ou qual ordem oficial, alguma lei comina determinada penalidade administrativa ou civil, não deverá reconhecer o crime em exame, salvo se a dita lei ressalvar expressamente a cumulativa aplicação do art. 330”.
Como está AFASTADA A POSSIBILIDADE das infrações administrativas dos artigos 195 e 239 do CTB por desobedecer as ordens do agente ou por retirar do local veículo legalmente retido para regularização, respectivamente, já que o Policial NÃO POSSUI COMPETÊNCIA legal para autuar, conforme nosso exemplo, a conduta parece se amoldar ao tipo penal que apontamos.
Conclusão
Não obstante, o cidadão NÃO PODE alegar o desconhecimento da lei (art. 3º da LINDB), sobretudo algo tão difundido e com informação tão massificada quanto à necessidade de possuir um documento de habilitação para conduzir veículo automotor em via pública.
Também NÃO SE PODE IGNORAR toda a preparação com conhecimentos teóricos e práticos na formação e que são indispensáveis à condução.
Se mesmo assim o cidadão quiser conduzir veículo na via, deve estar ciente das consequências previstas na lei.
Caruaru-PE / Rio de Janeiro-RJ, 02 de setembro de 2020.
LEANDRO MACEDO – Policial Rodoviário Federal no Rio de Janeiro. Atuou no TCM-RJ na função de Auditor Público como técnico de controle externo (2012). Coordenador do site Concursos com Trânsito e idealizador da empresa LM Cursos de Trânsito). Coautor do livro “Curso de Legislação de Trânsito”.