Uma capixaba com síndrome de down está entre os candidatos para tirar a habilitação de motorista pelo Detran ES. A notícia despertou a curiosidade de populares e profissionais da área de trânsito. Sabendo que o primeiro requisito para se habilitar é SER PENALMENTE IMPUTÁVEL, a pergunta é: Uma pessoa com síndrome de down atende aos requisitos para se habilitar?
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Mudar uma ideia secularmente cultivada no imaginário popular não é algo que se faça em algumas décadas. Conceitos estereotipados precisam ser desfeitos ao longo do tempo, onde a vida prática demonstre às pessoas que novos paradigmas funcionam sem que para isso a estabilidade da vida em grupo seja comprometida.
Neste contexto trago à reflexão o modelo de construção da personalidade da pessoa com síndrome de down. Enquanto algumas famílias buscam, dia a dia, o cultivo da independência tanto quanto possível, de filhos com síndrome de down, existem outras que, ao contrário, por ignorância e por medo amiúde, promovem a segregação de suas crianças.
Os conceitos que a Lei nº 13.146/2015, ou Lei Brasileira de Inclusão, busca implantar na sociedade requer tempo para se efetivar e, certamente, tomaremos notícias de muitos eventos de conflitos decorridos dessa quebra de paradigmas,
Felizmente, os dias atuais já apontam para uma sociedade mais inclusiva e menos preconceituosa. Uma pessoa com a síndrome de down já pode votar e ser votada; casar-se, constituir família e ter filhos; trabalhar formalmente; e tantos outros quantos sejam os atos civis comuns a qualquer cidadão. Entretanto, para obter uma CNH é necessário que o interessado esteja investido de imputabilidade PENAL, e não apenas Cível.
No Brasil, uma possível restrição para a emissão de Carteira Nacional de Habilitação a uma pessoa com síndrome de down, se fundamentaria justamente no requisito SER PENALMENTE IMPUTÁVEL nos moldes do art. 140, I, da Lei nº 9.503/1997 (Código de Trânsito Brasileiro).
O artigo 5º da Constituição Federal diz que: ”todos são iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza”. Porém, há exceções que são devidamente legalizadas e, dentre estas, a INIMPUTABILIDADE ou seja, aquele ao qual NÃO É possível imputar culpa.
A imputabilidade é um dos elementos da culpabilidade, ela é capaz de isentar a culpa, ou seja, se não há culpa, dessa forma também não haverá crime.
QUEM SÃO OS INIMPUTÁVEIS?
- Os doentes mentais ou os que possuem o desenvolvimento mental incompleto ou retardado, e que no momento do delito, se encontravam em estado incapaz de compreender a ilicitude do ato.
- Os menores de 18 anos.
- Os que cometeram crime em estado de embriaguez completa, desde que seja proveniente de caso fortuito ou força maior.
- Os maiores de setenta anos, que possuem benefícios para cumprir a pena tendo em vista a idade avançada.
O Código Penal prevê, no art. 26, ser isento de pena todo agente que por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, é inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.
No que tange à definição de imputabilidade, Cleber Rogério Masson esclarece (2013, p. 183), “(…) o conceito de imputabilidade: é a capacidade mental, inerente ao ser humano de, ao tempo da ação ou da omissão, entender o caráter ilícito do fato e de determinar – se de acordo com esse entendimento”.
Ao completar dezoito anos, a pessoa presume-se imputável. Desta forma, quanto à idade penal, o Brasil adotou o critério cronológico. Este sistema é a exceção ao biopsicológico, que é adotado como regra em nosso ordenamento jurídico (art. 26, do Código Penal).
Nessa lógica, a inimputabilidade, para ser reconhecida, exige a presença dos requisitos causal (doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado), cronológico (ao tempo da ação ou da omissão) e consequencial (inteira incapacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com ele).
Segundo Farah de Sousa Malcher (2009), entre as causas que excluem a imputabilidade do agente está o desenvolvimento mental retardado ou incompleto. São os casos em que a capacidade mental do indivíduo é incompatível com o estágio de vida em que se encontra, estando aquém do desenvolvimento normal para sua idade cronológica. Em razão da baixa capacidade mental, fica impossibilitado de avaliar racionalmente as situações da vida e, por conseguinte, é inimputável por não possuir o pleno entendimento e discernimento acerca de seus atos. Cita-se como exemplo os oligofrênicos e os portadores da Síndrome de Down.
Ponte (2007) estabeleceu a diferença entre desenvolvimento mental retardado e doença mental, referindo que esta abrange todas as manifestações mórbidas do funcionamento psíquico, impedindo o indivíduo de adaptar-se às normas reguladoras da vida em sociedade. Desenvolvimento mental retardado, por sua vez, dirige-se àqueles que não alcançaram um estágio de maturidade psicológica razoável, ou que, por causas patogênicas ou do meio ambiente em que vivem, tiveram retardado o desenvolvimento de suas faculdades mentais.
Contudo, o Código Penal, ao tratar da inimputabilidade por insanidade mental, não estabeleceu um conceito jurídico do que seja doença mental, nem definiu estado de perturbação mental, constante no parágrafo único do citado artigo.
Nesse sentido, o Ministério Público do Trabalho, em parceria com o Movimento Down e Carpe Diem, elaborou uma cartilha trazendo alguns conceitos que vêm nos esclarecer acerca do QUE É A SÍNDROME DE DOWN, dentre os quais eu destaco:
SÍNDROME DE DOWN NÃO É DOENÇA
A síndrome de Down ocorre quando, ao invés da pessoa nascer com duas cópias do cromossomo 21, ela nasce com 3 cópias, ou seja, um cromossomo número 21 a mais em todas as células. Isso é uma ocorrência genética e não uma doença. Por isso, não é correto dizer que a síndrome de Down é uma doença ou que uma pessoa que tem síndrome de Down é doente.
PESSOAS COM SÍNDROME DE DOWN TÊM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL
Deficiência intelectual NÃO é o mesmo que deficiência mental. Por isso, não é apropriado usar o termo “deficiência mental” para se referir às pessoas com síndrome de Down. Deficiência mental é um comprometimento de ordem psicológica.
CONCLUSÃO
Apesar do requisito SER PENALMENTE IMPUTÁVEL encabeçar a lista para àqueles que pretendem obter uma CNH; e apesar do art. 26 do CP prever como inimputável aquele que apresenta deficiência mental ou retardo intelectual; não ficou comprovada, em regra, a inimputabilidade da pessoa com a síndrome de down, uma vez que esta NÃO pode ser considerada uma doença mental.
Desse modo, em respeito aos princípios constitucionais pátrios, às pessoas com síndrome de down são assegurados todos os direitos inerentes a qualquer cidadão inclusive o de obter uma CNH – desde que comprovem sua capacidade mental, intelectual e motora por meios de aprovação nos exames exigidos pela legislação de trânsito brasileira no decorrer do processo de obtenção da habilitação.
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Referências:
PONTE, Antônio Carlos da. Inimputabilidade e Processo Penal. 2.ed. São Paulo: Quartier Latin, 2007.
Leituras sugeridas:
https://msreisjr.jusbrasil.com.br/artigos/451423073/o-exercicio-da-capacidade-civil-na-sindrome-de-down
https://docplayer.com.br/16095622-A-imputabilidade-penal.html
https://marjoly.jusbrasil.com.br/artigos/454087924/quem-sao-os-inimputaveis
Ótimo artigo, mestre! Objetivo e claro!
Porém, além da inimputabilidade ora abordada, percebo algumas outras deficiências inerentes aos portadores da síndrome q, sob determinados aspectos, podem comprometer a segurança do paciente e demais personagens do trânsito, tais como: deficiência auditiva, hipotonia muscular e reação psíquica em situações d estresse extremo.
Longe d mim qualquer resquício d preconceito. Apenas trago à baila outros aspectos de um mesmo assunto.
Sim, sim. Entretanto não podemos ser taxativos ao afirmar que uma pessoa com a sidrome de down não pode se habilitar. Somente o médico examinador poderá atestar isso. Grande abraço, meu amigo!