fbpx

Blog

Projeto de Lei quer acabar com a “máfia das autoescolas”

O deputado federal Kim Kataguiri, do DEM / SP, considera “MÁFIA” as Autoescolas e apresenta Projeto de Lei (PL 4474/2020) no qual ele propõe a desobrigação de treinamento nessas instituições para fins de obtenção da CNH.

A “máfia das autoescolas”

Máfia – qualquer associação ou organização que, à maneira da Máfia siciliana, usa métodos inescrupulosos para fazer prevalecer seus interesses ou para controlar uma atividade (dicionário online da língua portuguesa).

Iniciamos este texto com a definição do termo “máfia”, adjetivo dado pelo deputado Kim Kataguiri às instituições autoescolas, simplesmente para que tenhamos a exata dimensão da afronta e o desrespeito desse parlamentar aos milhares de profissionais que encaram a árdua tarefa de EDUCAR PARA O TRÂNSITO.

O deputado vem fazendo, nas redes sociais, declarações depreciativas aos Centros de Formação de Condutores (CFC) e seus profissionais, onde ele afirma que estes “não servem para nada” uma vez que os cidadãos poderiam aprender a dirigir sozinhos ou acompanhados dos próprios pais.

O Projeto de Lei

Por conta da considerável relevância da temática trânsito na sociedade, envolvendo diretamente a segurança e a vida das pessoas, sempre surgem pautas legislativas a esse respeito. Os parlamentares costumam apresentar propostas de melhoria, mas ultimamente os projetos de lei tem sido cada vez mais esdrúxulos, visando unicamente o “populismo”.

De acordo com o PL do ilustre parlamentar, o conteúdo TEÓRICO do curso de primeira habilitação deveria ser disponibilizado de forma gratuita pelos DETRANs e, então, o candidato estudaria por conta própria.

Segundo ele, a prova TEÓRICA para obtenção da CNH é “ridícula”, se limitando a arguir o candidato sobre o significado de algumas placas onde qualquer pessoa com uma hora de estudo seria capaz de ser aprovado sem dificuldade.

Abrimos aqui um parêntese para levantar suspeita sobre os trâmites utilizados pelo parlamentar na obtenção de sua CNH. Afinal, o mesmo não apresenta ter conhecimento de COMO realmente são os exames aplicados pelo Detran.

No caso das aulas PRÁTICAS DE DIREÇÃO, estas poderiam ser ministradas por qualquer pessoa habilitada há pelo menos cinco anos que não tenha sofrido penalidade de suspensão ou cassação do direito de dirigir.

Pergunta ao leitor: você já tentou aprender a dirigir com o pai, marido, irmão ou outro parente? Se já, certamente sabe o porquê da pergunta.

Novamente abrimos parênteses para fazer o leitor refletir sobre a capacidade técnica de uma pessoa, que não seja um instrutor formado, de preparar alguém para o violento trânsito brasileiro onde se registrou, só em 2019, a impressionante marca de 40.721 mil mortes e pelo menos cinco vezes mais este número de sequelados (dados Seguradora Líder, administradora do Seguro DPVAT).

Seguir o modelo dos EUA

Segundo o parlamentar, o Brasil deveria adotar o mesmo modelo de processo de habilitação existente nos Estados Unidos, colocando fim ao que ele chama de “máfia das autoescolas”.

O equívoco do deputado, neste ponto, é o mesmo muito comumente cometido por aqueles que não conhecem os bastidores do trânsito brasileiro, ao apontar outros países, a exemplo dos Estados Unidos, como MODELO IDEAL de processo para se habilitar, pagando apenas algumas taxas e fazendo as avaliações que são exigidas.

No entanto, cabe um questionamento em tal afirmação: A realidade do trânsito norte americano, a educação e consciência dos seus condutores e as punições pelo descumprimento da lei são as mesmas do Brasil?

Talvez o deputado esteja convivendo muito com a realidade dos EUA e pouco (ou nada) com a do Brasil.

O padrão Americano

Podemos citar dois casos que poderiam ser implementados no trânsito brasileiro.

O primeiro deles é em relação ao ÔNIBUS ESCOLAR que, ao parar na via e estender uma placa de “stop”, obriga todos os demais veículos atrás dele a parar, até mesmo se for uma rua de mão dupla, os veículos no sentido contrário do ônibus também devem parar.

Essa medida protege as crianças que vão desembarcar e possivelmente atravessar a rua. Desrespeitar essa regra é passível de punição.

Façamos um breve exercício mental imaginando um condutor brasileiro, voluntariamente, parando seu veículo independentemente de estar atrás ou em sentido contrário a um ônibus escolar, garantindo um desembarque seguro das crianças. Lamentavelmente poucos são os condutores que fariam algo assim, isso porque as realidades no trânsito são diferentes.

O segundo caso é o CONSUMO DE ÁLCOOL pelos condutores, quando no Brasil se discute a constitucionalidade da recusa ao teste de alcoolemia e o entendimento é o de que o homicídio praticado em tais circunstâncias é crime culposo.

Nos Estados Unidos, a depender do estado, a legislação prevê penas que variam entre cinco a quinze anos de prisão, mas existem casos de pessoas condenadas a vinte anos por dirigir embriagado e matar alguém no trânsito.

Conseguiríamos fazer o mesmo exercício mental e imaginar algo assim no Brasil?

Em casos como esse são levantadas tantas teses e princípios que, para alguns, dirigir depois de beber não parece ser nada anormal, é quase um direito do cidadão que trabalha e paga seus impostos.

Sabe por que parlamentares não apresentam propostas para endurecer a lei e punir com mais rigor quem pratica esses absurdos no trânsito ao invés de envidar esforços para retirar uma ferramenta importante que é a educação para o trânsito?

A resposta não poderia ser mais óbvia: Porque são medidas impopulares! Ele quer o seu voto e não está nem aí para a sua segurança ou de sua família.

Educação para o trânsito

A educação para o trânsito não deveria se limitar aos CFCs, tanto que no próprio CTB, especificamente em seu art. 76, existe a previsão legal para promoção da educação para o trânsito em todos os níveis de ensino, que seria um ganho extraordinário, contribuindo efetivamente para a melhoria do trânsito.

Convém destacar a Resolução nº 265/2007 do CONTRAN, que dispõe sobre a formação teórico-técnica do processo de habilitação de condutores de veículos automotores e elétricos como atividade extracurricular no ensino médio e define os procedimentos para implementação nas escolas interessadas.

Entretanto, é algo que nunca saiu do papel, NÃO parece tão INTERESSANTE POLITICAMENTE quanto a ideia de qualquer pessoa com mais de cinco anos de habilitação formar um condutor.

Curiosamente só se utiliza como exemplo a ser copiado do trânsito nos Estados Unidos aquilo que é conveniente.

Instrução e Punição

Desde a vigência do atual CTB, a “educação” para o trânsito tem se apoiado em dois principais pilares: Instrução e Punição.

INSTRUÇÃO – apesar de desde 1998 o CTB já mencionar a educação de trânsito nas escolas de ensino médio e fundamental, até hoje, a única instituição que tem efetivamente realizado este trabalho são os Centro de Formação de Condutores (CFC).

PUNIÇÃO – ao contrário do que muitos imaginam, punir é uma forma de educar. A propósito, quem nunca se deparou com a seguinte cena: “deixa eu colocar o cinto de segurança porque tem polícia alí na frente”.

Entretanto, é muito comum ouvirmos queixas por parte dos condutores dizendo o seguinte, ao agente que fiscaliza o trânsito: bem que vocês poderiam EDUCAR primeiro para depois PUNIR, né?

Aí é que está o conflito de ideias. Afinal, o cidadão precisa escolher entre ser educado por meio da INSTRUÇÃO, serviço hoje oferecido pelos CFCs, ou da PUNIÇÃO.

Devemos manter ou acabar com as autoescolas?

Os instrutores autônomos

Há mobilizações contínuas por parte dos profissionais instrutores de trânsito, para que estes tenham a liberdade para trabalharem desvinculados da autoescola (iniciativa que respeitamos, sem juízo de causa).

Talvez por esse motivo, muitos têm se manifestado a favor do PL proposto pelo deputado Kim Kataguiri.

Mas entenda bem: o PL dará a liberdade para que o cidadão treine com QUALQUER condutor habilitado a pelo menos cinco anos, não se exigindo que este seja um instrutor com formação técnica.

Isso certamente vai impactar muito negativamente nas pretensões dos profissionais instrutores.

Afinal, pela escassez de recursos financeiros ou por imaginar que conseguirão lograr êxito treinando com um parente, não tenhamos dúvida de que a maioria vai optar por não utilizar os serviços pagos.

Ademais, como garantir que um condutor habilitado há pelo menos cinco anos terá condições de formar outro condutor realmente preparado para o trânsito?

O Instrutor de Trânsito é o profissional capacitado para a função, haja vista ter passado por um curso de formação e dominar os recursos técnicos e didáticos necessários à adequada instrução e formação dos futuros condutores.

Não basta saber trocar marcha, acelerar e frear, pois O TRÂNSITO NÃO SE LIMITA A ISSO.

É preciso estar bem capacitado para que se possa capacitar com qualidade, sendo este mais um motivo de aprimoramento no processo.

O que realmente importa

Dizer que o ensino atualmente oferecido pelas autoescolas é excelente, seria querer omitir-se da necessidade de melhoria.

Entretanto perguntamos: qual classe profissional não tem suas falhas ou maus profissionais? Querer desqualificar uma classe inteira se apoiando na generalização, não parece ser uma postura inteligente.

O processo precisa sim ser melhorado. O sistema idealizado em 1998 com a entrada em vigor da Lei nº 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro) e regulamentado em 2004 com a Resolução nº 168 do Conselho Nacional de Trânsito pouco evoluiu, tendo como sua última alteração a Resolução nº 789/2020 .

Os esforços deveriam ser direcionados para a melhoria e ajustes no processo de primeira habilitação, fazendo com que a autoescola se torne de fato um Centro de Formação de Condutores, que os profissionais envolvidos, a exemplo de instrutores, diretores e examinadores, passem por qualificação constante, de modo que ofereçam o melhor serviço e façam a diferença.

Portanto, o curso de formação de condutores não tem que acabar, ele precisa ser MELHORADO.

Muitos condutores terão esse único contato com a educação para o trânsito em toda sua vida, dispensá-lo completamente contribuirá tão somente para colocar no trânsito condutores com formação deficiente, desconhecedores de regras básicas sobre legislação de trânsito e direção defensiva, tornando o trânsito um espaço ainda mais conturbado.

Altos custos para obtenção da CNH

Não há dúvidas de que os VALORES cobrados atualmente, para se obter uma habilitação, precisam ser revistos. É preciso refletir fielmente sobre a realidade e fazer jus à contraprestação do serviço.

A propósito, ha muito aguardam-se propostas que resultem na ISENÇÃO de cobrança de IPVA dentre outras despesas que muito oneram os Centros de Formação de Condutores. Certamente, essa seria uma iniciativa que resultaria em considerável baixa nos valores cobrados pelas aulas oferecidas por estas instituições.

Inclusive, as taxas cobradas pelo Estado para abertura do processo de habilitação e realização de exames devem servir para a realização do serviço em si e NÃO OBJETIVAR O LUCRO. Afinal de contas, estamos falando de um serviço de natureza pública.

Mas, apesar do autor da proposta justificar seu Projeto de Lei única e exclusivamente na questão da ONEROSIDADE do processo para obtenção da CNH, em momento nenhum fez qualquer menção em ACABAR COM A COBRANÇA DE TAXAS pelo Detran.

A propósito, cerca de 40% dos custos para se obter a CNH não provém dos valores cobrados pelos serviços oferecidos pela autoescola. Será que o parlamentar não sabe disso?!

Conclusão

Ao contrário de alguns entusiastas de senso comum que aprovam ideias como a de acabar com o curso de formação de condutores, em vez de aprimorá-lo e torná-lo mais acessível, contribuindo efetivamente para um trânsito melhor, a nossa expectativa é que o PL 4474/2020 NÃO avance.

Até porque a impressão é de que o objetivo prioritário não é ver o projeto se tornar lei, isso pouco importa porque a REAL INTENÇÃO já foi alcançada, que é conquistar alguns votos a partir de uma medida nitidamente populista.

Caruaru-PE, Manhuaçu-MG, 10 de setembro de 2020.

Coautor: Ronaldo Cardoso.

Kit Aprovação - Pacote Completo com Manual Aluno + Simulados + DVD Curso Teórico