O processo administrativo de trânsito envolve várias fases que, na maioria das vezes, são desconhecidas pelos condutores. A propósito disso, pergunto: A quem o condutor deverá interpor o recurso contra a penalidade de multa de trânsito?
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Para que fique claro, mesmo aos totalmente leigos no assunto, de modo bem sucinto, pretendo apresentar cada uma das fases do processo administrativo, conforme se seguem:
1ª fase do processo administrativo
O ato que dá início ao processo administrativo, por infração cometida na direção de veículo, é a lavratura do Auto de Infração de Trânsito (AIT) pela autoridade de trânsito ou seus agentes.
Ao ser notificado da autuação, seja via correios, por edital ou eletronicamente, o proprietário do veículo PODE apresentar “Defesa Prévia” junto à autoridade de trânsito, assim como apresentar o “real infrator” (caso não seja ele próprio), sempre observando o prazo expresso na notificação, que não poderá ser inferior a 15 dias contados da data da notificação da autuação ou publicação por edital.
Perceba que, até aqui, NÃO falamos de “recurso”, somente “defesa prévia”. O recurso é a apresentação de contrarrazões após o proprietário do veículo ser notificado da aplicação das penalidades. Portanto, ainda não alcançamos a resposta para o nosso questionamento.
2ª fase do processo administrativo
Não sendo interposta Defesa da Autuação no prazo previsto ou não acolhida, a autoridade de trânsito aplicará a penalidade correspondente, nos termos da legislação vigente, cuja qual deve ser comunicada ao proprietário do veículo, via correios ou por edital – Notificação de Penalidade de Multa.
Este é o momento, no processo, em que o interessado pode apresentar RECURSO contra a aplicação da penalidade de multa (entre outras), e é exatamente aqui que emerge a dúvida levantada em nosso questionamento: A quem interpor este recurso?
Junto a cada órgão executivo de trânsito ou rodoviário, há uma Junta Administrativa de Recursos de Infrações (JARI), cuja qual julgará os recursos interpostos pelos condutores / proprietários e, então, decidirá pela manutenção das penalidades ou seu cancelamento.
Sabendo que é a JARI quem aprecia estes recursos, é comum que condutores, e até profissionais da área, se confundam em afirmar que tais recursos devem ser interpostos a este órgão, sendo que na verdade não é, veja:
CTB, art. 285. O recurso previsto no art. 283 será interposto perante a autoridade que impôs a penalidade, a qual remetê-lo-á à JARI, que deverá julgá-lo em até trinta dias.
Apesar de mero detalhe técnico, afinal o endereço para onde será enviado o recurso consta na própria notificação da penalidade, já vi questão de prova de concurso abordando esse questionamento e quase 100% dos candidatos erraram – responderam que o recurso deve ser interposto à JARI.
3ª fase do processo administrativo
Esta é a última instância administrativa do processo. Após esta fase, quem quiser prosseguir com as contestações, só poderá o fazer por vias judiciais.
Das decisões da JARI caberá recurso:
► Ao Conselho Estadual de Trânsito (CETRAN), quando a penalidade tiver sido aplicada por órgão ou entidade de trânsito do Estado ou Município ou ao Conselho de Trânsito do Distrito Federal (CONTRANDIFE), se por órgão ou entidade de trânsito do Distrito Federal (CTB, art. 289 II);
► Ao Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN), quando a penalidade tiver sido aplicada por órgão ou entidade da União e corresponder à 1 Cassação da CNH, 2 Suspensão do Direito de Dirigir por mais de 6 meses, 3 Infrações Gravíssimas (CTB, art. 289 I, a) );
Aqui, abro parênteses para explicar dois problemas encontrados nesse dispositivo legal :
1. Apesar dessa normativa constar do próprio CTB (art. 289, inciso I alínea a), o Contran não tem exercido esta função, recaindo tal obrigação a um colegiado especial da JARI;
2. Quando o texto menciona “cassação da CNH” / “suspensão do direito de dirigir” como penalidades aplicadas por órgão da União, o equívoco é evidente. Afinal, o único órgão competente para essas penalidades é o Detran – órgão executivo de trânsito do Estado.
► A colegiado especial da JARI, quando for penalidade diversa das apresentadas no item anterior, aplicada por órgão ou entidade de trânsito da união (CTB, art. 289 I b) ).
Conclusão
Diante do exposto, a resposta ao questionamento levantado é: O primeiro recurso deve ser interposto junto à autoridade de trânsito que aplicou a penalidade – não à JARI, como muitos pensam.
Em 27OUT17, o Conselho Nacional de Trânsito fez publicar, no Diário Oficial da União, a Resolução n. 706/17, para “dispor sobre a padronização dos procedimentos administrativos na lavratura de auto de infração, na expedição de notificação de autuação e de notificação de penalidades por infrações de responsabilidade de pedestres e de ciclistas, expressamente mencionadas no Código de Trânsito Brasileiro – CTB”, em vigor após decorridos 180 dias de sua publicação (ou seja, a partir de 25ABR18).
Na verdade, a multa de trânsito para ciclistas e pedestres não foi uma invenção do CONTRAN, o qual tão somente regulamentou (ainda que com quase 20 anos de atraso) a aplicação de sanções administrativas por infrações já previstas no CTB, desde o início da sua vigência.
A Resolução n. 706/17 menciona, destarte, expressamente as infrações dos artigos 254, em seus seis incisos (pedestres) e 255 (ciclistas), devendo ser considerado, todavia, que os condutores de bicicletas também podem ser punidos pelas infrações específicas dos artigos 244, § 1º, e 247; além disso, nada impediria que lhes fossem aplicadas as penalidades decorrentes da quase totalidade das infrações tipificadas no CTB, pois as condutas descritas na maioria dos artigos não se restringem a veículos automotores, como avanço de sinal vermelho do semáforo, conversão proibida, estacionamento irregular, trânsito na contramão, direção sob influência de álcool etc (somente as infrações dos artigos 164 e 168 trazem, textualmente, a expressão “automotor” ao se referirem ao veículo infrator).
A dificuldade (pelo menos até o advento da norma sob comento) para fiscalização dos ciclistas e pedestres (e, consequentemente, imposição de penalidades) decorre do fato de que todo o sistema de aplicação e processamento das multas de trânsito pressupõe a existência de um registro de veículo, para que nele sejam lançadas as correspondentes punições por atos cometidos pelo proprietário e/ou condutor.
No caso das bicicletas, a questão já poderia ser facilmente resolvida, a depender do interesse de cada município, posto que o CTB admite a possibilidade de se exigir o registro e licenciamento de veículos de propulsão humana, conforme lei municipal do domicílio ou residência de seu proprietário (artigo 129), sendo possível, inclusive, a criação de Autorização específica para sua condução, sob responsabilidade também do ente local (§ 1º do artigo 141); por conseguinte, havendo LEI MUNICIPAL determinando o registro e licenciamento de bicicletas (com a exigência de renovação anual), qualquer infração de trânsito já poderia ser punida, mesmo antes da edição da Resolução n. 706/17.
A novidade maior, portanto, foi a previsão de inserção, no sistema de processamento de multas, de sanções administrativas aplicadas aos pedestres, sem a utilização de qualquer veículo, a exemplo do que já ocorreu para infrações cometidas por pessoas físicas e jurídicas (artigos 93, 94, 95 caput e §§ 1º e 2º, 174, parágrafo único, primeira parte, 221, parágrafo único, 243, 245, 246, 330 caput e § 5º), conforme regulamentação dada pela Resolução n. 248/07, posteriormente revogada e substituída pela Resolução n. 390/11 (registre-se, porém, que, apesar de existir norma a respeito há 10 anos, a maioria dos órgãos de trânsito não aplica citadas multas de trânsito, limitando-se às sanções a veículos automotores, o que pode vir a acontecer também no vertente caso, isto é, pode ser que a Resolução n. 706/17 fique apenas “no papel”, não obstante a determinação de adequação dos procedimentos, pelos órgãos de trânsito, até a sua entrada em vigor – art. 7º).
Dentre os procedimentos estabelecidos para a autuação dos ciclistas e pedestres, estabelece o CONTRAN a obrigatoriedade de abordagem (art. 2º, § 3º), até por princípio lógico, uma vez que, excetuada a possibilidade da identificação externa da bicicleta, decorrente de registro municipal, conforme citado, somente a abordagem é que permitirá qualificar o infrator e inserir a multa no sistema. Tal exigência, embora inafastável (nem vislumbro outra maneira de se lavrar o auto de infração), já demonstra a dificuldade para exercer este tipo de fiscalização de trânsito, especialmente quando forem vários os infratores (por exemplo, muitos pedestres atravessando a via fora da faixa), pois a aproximação do agente de trânsito, por certo, ocasionará a evasão daqueles que não quiserem ser penalizados.
O modelo do auto de infração, a ser implementado pelos órgãos e entidades executivos de trânsito e rodoviários, deve conter os blocos e campos mínimos constantes do Anexo à Resolução, dos quais se destaca a necessidade de anotação do nome completo e documento de identificação “previsto na legislação vigente” e, QUANDO POSSÍVEL, endereço e inscrição no CPF; em relação à bicicleta, deverão ser lançadas as informações disponíveis (não havendo o registro municipal, os dados que forem possíveis obter, como marca, modelo, cor e número de quadro).
A necessidade de anotação do documento de identificação do infrator ensejará problemas quando o autuado não se identificar ao agente de trânsito, seja pela recusa em apresentar seu documento, seja por não portá-lo.
Em ambos os casos, entendo como necessária a adoção de providências de polícia judiciária: se houver a recusa, estará configurada a contravenção penal prevista no artigo 68 da Lei das Contravenções Penais (Decreto-Lei n. 3.688/41) – “recusar à autoridade, quando por esta justificadamente solicitados ou exigidos, dados ou indicações concernentes à própria identidade, estado, profissão, domicílio e residência” – e quando não portar qualquer documento de identificação, restará a condução ao Distrito policial, para a realização de exame datiloscópico (por meio das digitais), tendo em vista o disposto no inciso LVIII do artigo 5º da Constituição Federal – “o civilmente identificado não será submetido à identificação criminal, salvo nas hipóteses previstas em lei”, até mesmo porque pode se tratar de indivíduo com pendências na Justiça (e, sendo assim, obviamente, preferirá não ter documento nenhum consigo).
No âmbito de atuação das Polícias Militares, enquanto responsáveis pela polícia ostensiva e preservação da ordem pública, a condução coercitiva de pessoas não identificadas na via pública para as providências acima citadas, é algo bastante comum e que faz parte das ações rotineiras de polícia, mas acredito que serão posturas questionadas (e, até, de difícil imposição prática), na atuação dos agentes civis de trânsito (lembrando que as infrações dos artigos 254 e 255 são de competência municipal, nos termos da Resolução n. 66/98 e do Manual Brasileiro de Fiscalização de Trânsito).
O processo administrativo para imposição da penalidade de trânsito e os respectivos recursos é o mesmo que o previsto para a aplicação da multa de trânsito para veículos, devendo ser obedecidos, no que couber, o disposto nas Resoluções n. 299/08, 390/11 e 619/16 (art. 4º); para tanto, o Departamento Nacional de Trânsito promoverá alterações no Registro Nacional de Infrações de Trânsito – RENAINF, para fins de registro das notificações e acompanhamento da arrecadação (art. 6º).
Não foi estabelecido, entretanto, qual será o desdobramento diante do não pagamento das multas impostas, condição que não terá a mesma consequência relativa ao proprietário de veículo com débitos, o qual, pela falta de licenciamento, poderá acarretar a remoção ao pátio, se for abordado nesta condição (infração do art. 230, V); no caso dos pedestres, em especial, a única decorrência que consigo antever é a eventual cobrança extrajudicial e/ou judicial, incluindo a possibilidade de inscrição em dívida ativa e, até mesmo, negativação do nome do devedor em cadastro de inadimplência, com impedimentos de transações financeiras junto ao poder público e o comércio em geral.
Conquanto não fosse necessária a previsão expressa, preocupou-se a Resolução de mencionar a questão da tríplice responsabilidade, ao estabelecer que, além da esfera administrativa (aplicação da multa de trânsito), o comportamento infracional também estará sujeito, de forma independente, à responsabilidade civil e penal que der causa (art. 5º).
Neste aspecto, cabe destacar que os menores de idade também poderão ser autuados, haja vista que a responsabilidade ADMINISTRATIVA e CIVIL são diferentes da responsabilidade PENAL: embora penalmente inimputáveis (art. 228 da CF e art. 27 do Código Penal) [1], os menores de 18 anos estão passíveis, normalmente, quando autores de infrações administrativas, às suas respectivas sanções, até porque, por importar em um valor pecuniário a ser pago aos cofres públicos, a multa de trânsito ficará, subsidiariamente, na responsabilidade de pagamento pelos seus responsáveis, da mesma forma que se prevê para a obrigação de indenizar decorrente da responsabilidade civil (artigos 932 e 928 do Código Civil) [2].
Por fim, importante ressaltar que as infrações dos artigos 254 e 255 poderão ter a penalidade de multa convertida em participação do infrator em cursos de segurança viária, a critério da autoridade de trânsito, quando não houver reincidência específica nos últimos doze meses, nos mesmos moldes da advertência por escrito (art. 267, § 2º, do CTB).
[1]CF – Art. 228. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial. CP – Art. 27. Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial. [2]CC – Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil: I – os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia; … Art. 928. O incapaz responde pelos prejuízos que causar, se as pessoas por ele responsáveis não tiverem obrigação de fazê-lo ou não dispuserem de meios suficientes.
Uma grande novidade e ansiada por muitos proprietários de veículos foi anunciada pelo Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN) na quarta-feira do dia 18 de outubro e versa sobre a possibilidade de parcelamento de multas de trânsito.
Até então, parcelar as multas, além de não possuir previsão legal, chegou a ser considerado inconstitucional em casos como quando um Município, por exemplo, criou lei permitindo tal facilidade. Porém, o CONTRAN editou a resolução 697/17 que altera a 619/16, que trata do processo administrativo de trânsito, multas e suas formas de arrecadação, passando a permitir e regulamentar o parcelamento.
A resolução possibilita, em caráter optativo, aos órgãos de trânsito responsáveis pelas multas, o parcelamento dos valores devidos, sendo que, estando disponível essa opção, ao pagar já a primeira parcela ou mensalidade, a situação do veículo já estará regularizada. Isso é interessante para aquele proprietário cujo veículo foi removido ao depósito devido a alguma infração, mas não foi retirado de lá ainda por existir nesse mesmo veículo outras multas atrasadas, as quais deverão ser quitadas para a liberação do veículo.
Também poderão os órgãos, mediante contratação ou credenciamento, dispor de “empresas credenciadoras (adquirentes), subcredenciadora (subadquirentes) ou facilitadoras para processar as operações e os respectivos pagamentos” (art.25-A, § 1º, res. 619/16, incluso pela 697/17). Aliás, prevê o CONTRAN que os órgãos possam disponibilizar sala para tais empresas atenderem junto ao órgão “(art.25-A, § 3º, res. 619/16, incluso pela 697/17).
Outra informação de relevância prática é que o parcelamento poderá se dar em apenas uma multa ou em várias, a depender do interesse do proprietário, desde que o órgão de trânsito ofereça a possibilidade.
Mas nem tudo são flores: o parcelamento terá juros, justamente para “bancar” a operação (aliás, já surgem multas com juros, conforme prevê a lei 13.281/16, mas que falaremos noutra oportunidade). Além disso, o parcelamento não se aplica nas seguintes situações:
Quando o órgão que autuou/multou não optar por oferecer parcelamento;
Quando se tratar de multas já inscritas como dívida ativa (débitos de impostos e multas vencidas ao Estado);
Quando forem multas de veículos licenciados em outra Unidade da Federação (ex: veículo com placa do Rio Grande do Sul e autuado em Santa Catarina não terá possibilidade de parcelar as multas recebidas dos órgãos deste estado);
Toda essa novidade deve passar pelo DENATRAN que “ficará responsável por autorizar e fiscalizar as operações dos órgãos de trânsito que adotarem a modalidade de parcelamento com Cartão de Crédito para o pagamento das multas de trânsito” (art.25-A, § 13º, res. 619/16, incluso pela 697/17).
Concluo manifestando minha opinião como profissional de trânsito, em que pese a medida ser positiva para diminuir a inadimplência e, especialmente, favorecer o cidadão num momento financeiramente complicado que vivemos, porém inegável dizer que tal medida vai contra vários discursos do próprio Sistema Nacional de Trânsito (nos quais o CONTRAN é o maior regulamentador) que DEFENDIAM o não parcelamento justamente para não criar facilidades ao infrator.
O aumento de mais de 50% nas multas em novembro de 2016 foi justificado como uma forma de penalizar ainda mais o infrator e dificultar sua reincidência. Entretanto, agora parece que o discurso é outro, o que, infelizmente, vai fortalecer a velha máxima da “indústria da multa” e o interesse meramente arrecadatório do Estado.
Para piorar o cenário, esta resolução surge em data próxima à divulgação da proposta, pela Prefeitura de São Paulo, de que pretende usar as multas como garantia de empréstimo, ou seja, a administração municipal receberia por meio de investidores o dinheiro antes que a multa ocorresse!
Claro que isso vai de encontro com os princípios morais, e talvez legais, pressupondo que as multas serão aplicadas incondicionalmente, desviando-se completamente do real propósito de se adotar medidas punitivas que, deixa de ter cunho educativo para, escancaradamente, servir como meio de angariar recursos financeiros.
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